domingo, 26 de fevereiro de 2012

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"Ausência


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces 
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto 
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida 
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz 
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado 
Quero só que surjas em mim 
como a fé nos desesperados 
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada 
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado 
Eu deixarei... 
tu irás e encostarás a tua face em outra face 
Teus dedos enlaçarão outros dedos 
e tu desabrocharás para a madrugada. 
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, 
porque eu fui o grande íntimo da noite. 
Porque eu encostei minha face na face da noite 
e ouvi a tua fala amorosa. 
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa 
suspensos no espaço. 
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. 
Eu ficarei só 
como os veleiros nos portos silenciosos. 
Mas eu te possuirei como ninguém 
porque poderei partir. 

E todas as lamentações do mar, 
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, 
a tua voz ausente, 
a tua voz serenizada"


(Vinícius de Moraes)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Nas tuas cores


Sua beleza não está na maneira doce e lenta que se entrega às pessoas. Nem no modo como extrai ao máximo da vida o que ela tem de prazeroso sem medo de pagar a fatura do sofrimento que toca a cada um. Nem falarei dos seus olhos, esses olhos que de tão transparentes e vivos sonham e fazem sonhar. Ser o alvo deles é a única esperança que alimenta meu consolo. Ou do movimento que faz o seu rosto quando dorme, a boca semiaberta como se esperasse um beijo, não um que despertasse, mas que o ajudasse a dormir melhor. É belo não apenas pela voz que acalma, nem pelo sorriso aberto que nega nas fotos. Acima de tudo, sua beleza está na habilidade acentuada de dar cor. Equivocado entre os espectros, as cores que não pode ver, ele cria. Colore os momentos, inocentemente, o passado lhe parece sempre mais bonito do que realmente foi. E o amo porque não posso machucá-lo. Em seu rosto iluminado por luzes amarelas, em seus olhos úmidos de choro fácil, li a certeza de estar diante do único ser em todo o universo sobre o qual não posso exercer a minha habilidade de infligir dano. Sua dor me dói como faca que corta a carne. Ele pode esquecer essa dor. Eu não. Não me perdoo. Ele sim, e ainda transforma o dia frio e triste em lembrança doce. Curvo-me diante de sua imagem, mergulho na dor da sua ausência. Ouço as canções que dedicou a mim e escrevo notas sobre os momentos que compartilhamos. Quando terá fim o meu sofrimento? No dia em que segure sua mão de novo, apoie minha cabeça em seu ombro e sorrindo, lhe pergunte: como você está?


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This work by Amanda Cristina da Silva Ferreira is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported License.