Eu sempre achei que eu o tinha
escolhido. Que engano, foi ele quem me escolheu. Entre montes de filhotes
saltitantes lambendo a minha mão, ele estava lá, no fundo daquela caixa de
concreto fria de canil. Ele já sabia: eu não resisto a semblantes de tristeza e
olhos desconfiados. E apontei: “Eu quero aquele quietinho ali”.
Em casa, ele se revelou: roía tudo
o que via pela frente, chinelos, toalhas, pés de mesa...até as mantinhas
carinhosamente deixadas para que ele se protegesse do frio, viravam trapos. Ele
nunca perdeu esse costume. Mas aprendeu a deixar toalhas e roupas no varal em
paz.
Tinha um hábito engraçado para
comer. Enquanto comia, ficava rodando em volta da tigela, como se alguém
pudesse tomar o que era dele e a gente observava aquela dança: costumes de quem
tinha que lutar por um pouco de comida no meio de um monte de cachorros no
canil. Com o tempo, ele também perdeu esse costume.
Ele era o dono de tudo, como o
seu nome já dizia: Átila, rei dos Hunos e da nossa casa. Daquela caixa de
concreto para um quintal enorme era como ter conquistado um reino. Corria de um
lado pro outro, rolava na terra, se estirava ao sol, seguia a minha mãe por
onde ela fosse e destruía todos os jardins que ela tentava fazer.
Comigo ele tinha tudo. O seu
lugar favorito era a porta da cozinha, do lado da geladeira. Ali ele descansava,
esperava sua comida (ele sempre era o primeiro a comer), nos observava na sala,
tirava seus cochilos, nos fazia companhia e sempre conseguia algum pedaço do
que eu estava comendo. Quando queria se esticar mais, vinha para a porta do meu
quarto e eu podia ver sua cabecinha encostada no batente da porta, um par de
orelhas baixas, e logo ouvia o seu ronco. Meu cachorro amarelo, tirando sua
siesta depois do almoço, enquanto eu lia deitada na minha cama.
Quando fiquei seis meses fora,
pensava muito nele. Ele já estava velhinho, tossia muito e tinha dificuldades
de levantar. Eu tinha medo de voltar e não vê-lo mais. Mas eu voltei, e ele
estava lá, mais magro, mais fraco, mas chorando minha volta.
Há pessoas que não entendem a
nossa tristeza quando um cachorro morre. “É só um cachorro”, elas dizem. Sou
muito tolerante, mas não respeito pessoas que pensam assim e desconfio de quem
não ama cachorros e animais em geral. Há algo de antinatural não amar um ser
que compartilha tanto com você e te ama incondicionalmente. Meu cachorro era
muito melhor que muita gente que conheço e conheci na vida.
Seus últimos dias foram muito
sofridos. Fizemos o que podíamos e o que não podíamos. Mas ele se foi e agora
não há mais dores pra ele. A gente ficou com todas. Ainda não posso ir onde ele
dormia, ou ver suas coisas. Mas lembro dele no meu colo e quando ele me
esperava no portão. Meu primeiro namorado assobiava longe da esquina e quando
ele corria pro portão, eu sabia que ele estava chegando. O último (e segundo)
fazia carinho nele antes de me cumprimentar! Cachorros fazem isso, hipnotizam
as pessoas, despertam na gente os melhores sentimentos e nos fazem lembrar o
que é amor e companheirismo.
Meu cachorro amarelo, eu sinto
sua falta. E se há um paraíso, espero que você esteja nele, correndo como há
muito tempo você não fazia, rolando na grama, tomando seu sol matinal e comendo
muitos bifes. E quem sabe quando eu te encontre lá, você venha correndo e suje
minha roupa com as suas patas. Obrigado por nos dar 15 anos com você.